terça-feira, janeiro 31, 2017

O que é indução?

         Indução é o princípio segundo o qual deve-se partir das partes para o todo. Ou seja, ao fazer uma pesquisa, deve-se  ir coletando casos particulares e, depois de certo número de casos,  pode-se  generalizar, dizendo que sempre que a situação se repetir o resultado será o mesmo.
         Se, por exemplo, eu quero saber a que temperatura a água ferve. Coloco água no fogo e, munido de um termômetro, meço a temperatura. Descubro que a fervura aconteceu a 100 graus centígrados.
         Repito a experiência e chego ao mesmo resultado. Repito de novo e vou repetindo até chegar à conclusão de que a água sempre ferverá a 100 graus centígrados.
         Umberto Eco dá um outro exemplo curioso: os sacos de feijões.

         Vejo um saco opaco sobre a mesa. Quero saber o que tem no mesmo. Uso o método indutivo: vou tirando o conteúdo do saco um a um. Da primeira vez, me deparo com um feijão branco. Na outra tentativa, de novo um feijão branco. Repito a experiência até achar que está bom (ou até acabar a verba). Então extraio uma lei: dentro deste saco só há feijões brancos. 

A casa das ideias


Em 1961, uma partida de golfe mudaria a história dos quadrinhos de super-heróis. Os jogadores eram Martin Goodman, da Atlas (atual Marvel) e Jack Liebowitz, da National (atual DC Comics). Liebowitz comentou que a revista da Liga da Justiça, recentemente lançada, era um sucesso entre os leitores.
Goodman despediu-se e foi para a editora, pedir a Stan Lee que criasse uma cópia da Liga para aproveitar aquele interesse dos leitores por heróis clássicos reunidos num grupo.
Acontece que Stan Lee já estava de saco cheio daquilo. Ele se sentia mal, num campo editorial enfraquecido pela concorrência da televisão e perseguido por pais e professores. Além disso, queria fazer algo diferente. Ele tinha algumas idéias em mente, mas tinha medo de apresentá-las. Foi sua esposa que o convenceu que aquela era uma oportunidade de fazer o que queria: ¨Querido, se não der certo, o pior que pode acontecer será Goodman demiti-lo¨.
Então, ao invés de promover uma reunião de personagens clássicos, como Namor e o Capitão América, ele propôs algo completamente diferente. O novo grupo era um quarteto de astronautas que, ao fazer uma viagem espacial, foram bombardeados por raios cósmicos e ganharam incríveis poderes: o Quarteto Fantástico! O grupo era composto por um cientista que conseguia se esticar como elástico, uma moça que podia se tornar invisível, um rapaz que pegava fogo e virava uma tocha humana e um ser grotesco, o Coisa. Esse último personagem foi o mais diferente, e logo cativou os leitores. Até então, os heróis pareciam muito felizes com seus poderes, mas Bem Grimm não. Os raios cósmicos o haviam transformado num monstro de pedra. Inconformado, ele vivia resmungando pelos cantos e comprando brigas com os outros.
Isso era uma novidade: até então os heróis pareciam coroinhas ou escoteiros: todos muito bonzinhos e afáveis. Um herói ranzinza e um grupo que se parecia mais com uma família (inclusive com suas brigas) foi algo que provocou estranhamento, mas logo conquistou os leitores. Além disso, as histórias começaram a apresentar uma cronologia. Até então as histórias eram sempre isoladas e não havia uma continuidade. Nas histórias do Quarteto, se um personagem pegava uma gripe numa história, na história seguinte ele continuaria gripado. Para arrematar, Lee deu a seus heróis um caráter humano que permitia uma identificação dos leitores: os heróis Marvel, a despeito de seus incríveis poderes, eram pessoas normais, que levavam fora das namoradas, sentiam ciúmes, eram esnobados, ficavam doentes... e até morriam.
A revista do Quarteto Fantástico tinha desenhos de Jack Kirby, o rei dos quadrinhos de super-heróis. Seu traço expressionista influenciou praticamente todos os artistas americanos a partir de então e criou as bases do visual dos super-heróis.
Kirby era um mestre épico, das grandes sagas intergaláticas e dos heróis super-poderosos. Já Lee era o mestre do lado humano, dos dramas e comédias da vida normal. Os leitores se identificavam com a humanidade colocada nas histórias por Lee e se projetavam no grandioso, especialidade de Kirby.

Stan Lee era um roteirista e editor querido por todos os artistas. Era um um gente-boa, que dava liberdade criativa para seus artistas e conseguia deles o seu melhor. Ele também usava e abusava da promoção pessoal, colocando em destaque o seu nome e o dos artistas nas páginas das revistas.  Além disso, ele criou o chamado método Marvel de escrever roteiros. Como exercia a função de editor e escrevia diversas revistas, ele não tinha tempo de produzir scripts completos, então fazia apenas um resumo da história e entregava para o desenhista. Este ilustrava, entregando depois para que Lee colocasse os textos e diálogos. Esse aspecto fez com que alguns colocassem em dúvida a verdadeira importância de Stan Lee, mas hoje são poucos os pesquisadores que descartam a relevância desse roteirista para o sucesso da editora que ficou conhecida como ¨A casa das idéias¨. 

segunda-feira, janeiro 30, 2017

Conhecimento científico: o Círculo de Viena

Essa corrente de pensamento de inspiração positivista surgiu na Europa no início do século XX. Acreditava na possibilidade das ciências humanas e sociais seguirem as mesmas metodologias das ciências naturais.
         O Círculo de Viena estava preocupado em diferenciar o conhecimento científico dos outros tipos de conhecimento. Eles partiam de algumas perguntas básicas: o que é conhecimento científico? Que tipo de conhecimento pode ser caracterizado como científico?
         Eles iniciaram distinguindo dois contextos: o da descoberta e o da verificação.
         O contexto da descoberta é aquele em que o cientista faz sua descoberta. Para o Círculo de Viena, esse era um contexto irrelevante para se definir se esse conhecimento é científico ou não. A descoberta pode ter surgido, por exemplo, de um sonho, de uma alucinação ou simplesmente de uma coincidência...
Para o Círculo de Viena, o que realmente importa na definição do que é científico ou não é o contexto da justificativa. Ou seja, é a forma como o cientista vai explicar sua descoberta aos pares.
         O Círculo de Viena dava grande importância à verificação. Assim, o cientista deveria explicar detalhadamente como chegou aos seus resultados para que outros pesquisadores, repetindo a experiência, pudessem chegar aos mesmos resultados.
         Para evitar equívocos (intencionais ou não) era necessário usar uma linguagem unívoca. Ou seja, cada termo utilizado no trabalho deveria ter uma única interpretação.
         Nas ciências sociais, o pensamento do Círculo de Viena influenciou os pesquisadores a definirem muito bem os termos utilizados.
         Em um trabalho sobre aborto em casos de violência sexual, o que é aborto? O que é violência sexual? Será que uma esposa pode acusar o marido de a tê-la violentado? A definição desses termos, e a utilização dos mesmos com uma única significação ao longo de todo o trabalho, asseguram a interpretação correta e a cientificidade do trabalho.
         O Círculo de Viena também estabeleceu o princípio da verificação. Ou seja, o cientista deve repetir a experiência e verificar se chega sempre ao mesmo resultado antes de divulgar suas tese. Jamais se deve fazer juízos precipitados.

         Essa corrente de pensamento também acreditava que o método cientifico deveria utilizar a indução. 

domingo, janeiro 29, 2017

O conhecimento científico

Durante muito tempo as bases metodológicas lançadas por Descartes e Newton foram suficientes, mas no final do século XIX ficou claro que era necessária uma melhor definição para a pergunta: “O que é ciência?” Havia uma necessidade urgente de diferenciar a ciência da pseudociência.
O século XX foi palco de uma apaixonada discussão sobre o que é ciência, quais são suas características e sua relação com os outros tipos de conhecimento.
Os pensadores que exploraram o tema discordam entre si e há até aqueles que defendem que um método científico é impossível. Outros têm denunciado a ideologia por trás do método científico, tais como Edgar Morin e Hebert Marcuse, que acusam a ciência e a tecnologia de promoverem a transformação do homem em coisa e a compartimentação do saber.
Outros apresentam propostas que discordam completamente do que a maioria entende por ciência. Exemplo disso é a gonzologia, uma corrente de pensamento influenciada pelo jornalismo gonzo. Para esses pensadores, a única metodologia possível dentro da ciência é a observação participante.

Entretanto, a noção que se tem hoje do conhecimento científico é influenciada pelos pontos de vista do Círculo de Viena e dos pensadores Karl Popper e Thomas S. Kuhn pela importância de suas propostas epistemológicas.

sábado, janeiro 28, 2017

Xuxulu e Azazoti


Mistérios no espaço

            
Na década de 1950, com a crise nos quadrinhos de super-heróis, as editoras tentaram vários gêneros alternativos. Um dos gêneros de maior sucesso foi a ficção-científica.
            Embora a FC existisse nas tirs de jornais desde o final da década de 1920, foi só na década de 1950 que os gibis do gênero começaram a fazer grande sucesso nos gibis. Strange adventures (1950) e Mystery in Space (1951), dois lançamentos da National, puxaram a fila. As revistas eram compostas de histórias curtas, sem continuação ou personagens fixos. A ação estourava em qualquer lugar do espaço ou em qualquer período temporal.
            A editora EC Comics, embora fosse especializada em terror, deu uma grande contribuição à FC nos quadrinhos, aproximando-a do que era feito na literatura. Aliás, Ray Bradbury, um dos grandes escritores do gênero, era fã e colaborador da editora.
            As histórias da EC eram instigantes, sempre com finais surpreendentes. Numa história, por exemplo, os terrestres vão ter seu primeiro contato com seres de outro planeta. À medida que se aproximam, contam, pelo rádio, a história da humanidade e de suas guerras. No final, ao descerem, descobre-se que os terrestres são ratos, a única espécie que sobreviveu a uma guerra atômica.
            Com a perseguição aos quadrinhos, os gibis de ficção da EC foram cancelados e os da National se tornaram inócuos, com histórias bobas, como a de um robô que precisa encontrar a cabeça na qual está a informação que salvará a terra.
            Em 1958, o escritor Gardner Fox voltar a dar vitalidade ao gênero, relacionando-o com os super-heróis. Ele recebeu, do editor Julius Schwartz, a missão de criar um herói espacial para estrelar a revista Mystery in Space. Então criou Adan Strange, um norte-americano que era arremessado a 25 trilhões de milhas no espaço ao ser capturado pelo raio zeta, indo parar no planeta Rann. Lá, usando apenas sua esperteza e um par de jatinhos que lhe permite voar, ele se torna o herói local.
            O sucesso de Adan Strange fez com que a DC encarregasse Gardner Fox de ressuscitar um herói da era de ouro, o Gavião Negro. Na versão clássica, ele era Carter Hall, a reencarnação de um príncipe egípcio. Na nova versão, era Katar Hol, um policial do planeta Thanagar que vem à Terra. Com arte de fenomenal de Joe Kubert, a série tornou-se um sucesso.

            Tanto o Gavião negro quanto Thanagar passaram a exercer papel fundamental na cronologia da DC Comics desde então. E uma versão feminina da personagem consta no ótimo desenho animado da Liga da Justiça, atualmente em exibição. 

Descartes e o demônio da dúvida

Um dos pensadores mais importantes da humanidade foi o filósofo francês René Descartes. Suas idéias mudaram a forma de pensar do mundo ocidental e inauguraram os pilares da metodologia científica.
Descartes era tudo, menos humilde. Ele queria criar uma nova forma de pensar, que fosse mais adequada aos novos tempos. É importante lembrar que o filósofo viveu em uma época de mudanças. O mundo passava do geocentrismo (a idéia de que tudo, inclusive o Sol, gira ao redor da Terra) ao heliocentrismo (a idéia de que é a Terra que gira ao redor do Sol), as grandes navegações demonstravam que havia todo um mundo a ser descoberto, a imprensa tornava possível que um pensamento se dissipasse com grande velocidade e, finalmente, os reis passavam a ter mais poder do que jamais tiveram em toda a Idade Média.
Em 1619, Descartes teve um sonho em que o espírito da verdade descia sobre ele. A partir desse dia, passou a se dedicar à busca da verdade e de uma nova forma de pensar, que tornasse o caminho em direção à verdade mais rápido.
Depois de andar por boa parte do mundo conhecido, recolhendo conhecimentos, Descartes se isolou em busca de um método próprio. Ele percebeu que o método característico da Idade Média, a lógica, não o levaria longe: “Verifiquei que, quanto à lógica, os seus silogismos e a maior parte de suas restantes instruções serviam mais para explicar aos outros as coisas que já se sabem”, escreveu ele no seu livro O Discurso do Método.          
O novo pensamento, criado por Descartes, seria baseado em quatro princípios:
1 – Nunca aceitar como verdadeira nenhuma coisa que não se conhecesse evidentemente como tal.
Ou seja, duvidar sempre. Aí o filósofo difere o conhecimento científico do teológico, baseado na fé. Enquanto a religião prega o acreditar sempre, a ciência partiria sempre da dúvida.
2 – Dividir cada uma das dificuldades que devesse examinar em tantas partes quanto fosse possível e necessário para resolvê-las.  
Descartes inaugurou com esse princípio a divisão do saber. Segundo a lógica cartesiana, não devemos pesquisar o fenômeno no todo, mas em partes. Para conhecer o corpo humano, devo dividi-lo em partes e estudar uma a uma.  Esse princípio deu origem à especialização que se reflete na própria organização da escola. Temos professores de geografia, história, ciências, literatura, redação... muitas vezes o professor de história não entende nada de geografia e o professor de literatura não sabe nada de redação. A crítica a esse princípio seria a base do pensamento da cibernética e de Edgar Morin.
3 – Conduzir em ordem os pensamentos, iniciando pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer, para chegar, aos poucos, gradativamente, ao conhecimento dos mais compostos, e supondo também, naturalmente, uma ordem de precedência de uns em relação aos outros.
Em outras palavras, ao resolver um problema devemos solucionar primeiro as partes mais simples para depois chegar às mais complexas. Esse princípio também leva a crer que o complexo é na verdade uma junção de partes simples, uma idéia que depois seria criticada por pensadores como Edgar Morin.
4 – Fazer, para cada caso, enumerações tão completas e revisões tão gerais que tivesse a certeza de não ter omitido nada.
Esse princípio, certamente advindo da matemática, teve como conseqüência, na ciência, na idéia de que não se deve confiar no primeiro resultado de uma experiência. O cientista deve refazer suas experiências à exaustão até ter certeza de que o resultado está correto. Mesmo em uma pesquisa bibliográfica esse princípio pode ser adotado. Já vi alunos que, ao fazerem uma pesquisa, usam apenas um livro como referência. Isso não é pesquisa, é cópia. Um trabalho de pesquisa deve comparar as idéias de informações de vários autores. Confiar na primeira obra que encontramos pode ser perigoso, pois o autor pode estar equivocado.
Alguns anos depois, um cientista inglês, Isaac Newton, usaria os princípios de Descartes para resolver um problema científico: por que a Lua não cai na Terra? Mas antes disso, Descartes usou o método para resolver um problema  filosófico.
O que o filósofo se perguntou é como podemos chegar a certezas. Ele já havia identificado que os sentidos não são confiáveis. Afinal, as pessoas haviam acreditado durante anos que o Sol girava ao redor da Terra simplesmente porque os sentidos lhe diziam isso.
Quantas vezes não somos enganados por nossos sentidos? Às vezes estamos em um navio e achamos que já começou a viagem, quando na verdade foi o barco ao lado que começou a se movimentar? Quantas vezes não temos sonhos que parecem perfeitamente reais?
A não confiabilidade dos sentidos fica demonstrada em filmes como Matrix. Neo acreditava piamente que a vida que levava era real, até descobrir que tudo era uma ilusão criada por um programa de computador...
No filme Uma Mente Brilhante, o personagem principal, um ganhador do prêmio Nobel, conversava com pessoas que não existiam. 
Descartes imaginou-se dominado por um demônio da dúvida que o faria ter dúvida de tudo. Se eu duvido de tudo, se duvido até mesmo se estou realmente aqui escrevendo este texto, qual a minha única certeza?
A minha única certeza é de que tenho dúvidas. Se tenho dúvidas é porque penso. Se penso, logo existo. Cogito ergo sum.

Esse raciocínio de Descartes teve duas conseqüências. Por um lado a ciência procurou aperfeiçoar cada vez mais os instrumentos de pesquisa para fugir da validação subjetiva. Balanças, cronômetros, questionários, observação sistemática são instrumentos de pesquisa que tentam fugir da dúvida deixada pelos sentidos. Na filosofia, as idéias de Descartes inauguram o postulado da razão, que dominaria toda a Idade Moderna.

sexta-feira, janeiro 27, 2017

Mirza, a mulher vampiro


A primeira vampira de sucesso dos quadrinhos surgiu no Brasil. Trata-se de Mirza, criação do desenhista italiano naturalizado brasileiro Eugênio Colonesse e do roteirista Luís Meri. A personagem surgiu na época de ouro dos quadrinhos de terror nacional, na década de 1960.
Nessa época, Colonnese e Rodolfo Zalla tinham um estúdio, o D´Arte, especializado em quadrinhos, no qual chegavam a produzir 300 páginas por mês nos mais diversos gêneros (dos super-heróis aos de guerra). Um dia José Sidekerskis, da editora Jotaesse os procurou e pediu que Colonesse criasse uma personagem vampira.
No dia seguinte surgia Mirza. O nome era uma variação de Mylar, super-herói de sucesso, criado por Colonesse. ¨Não parecia nome de uma mulher, tanto que resolvi acrescentar no título ´a mulher vampiro´ para acentuar mais. Hoje se você pesquisar na lista telefônica, vai encontrar várias Mirzas, mas naquele tempo não existia¨, lembra Colonnese.
A revista foi publicada em 1967 e virou um hit. Dos 35 mil exemplares impressos, sobravam pouco mais de mil. Além disso, a redação da editora começou a receber várias cartas de fãs pedindo a continuidade da personagem. O interessante é que as histórias conseguiam captar muito bem o clima erótico, elemento essencial do terror vampiro. O roteirista Luis Meri escrevia de acordo com as orientações de Colonnese, mas de vez em quando colocava uma inovação, como uma festa de lésbicas.
Apesar do sucesso, o gibi durou apenas 10 números. A razão disso foi a mudança de ramo do desenhista. Um dia Rodolfo Zalla procurou Colonnese com a proposta de desenhar para livros didáticos. Este respondeu que não sabia fazer livros didáticos, pois sua especialidade era quadrinhos. ¨Uma cenoura que você fizer para um livro didático paga mais que cinco páginas de quadrinhos¨, rebateu Zalla. Foi o bastante para convencer o amigo. Dedicando-se apenas às ilustrações didáticas, o criador deixou de lado sua personagem, que ainda seria republicada, no início dos anos 1970, pela Editora Regiart, de forma pirata. Essa publicação manteve o interesse pelos leitores.
Na década de 1980 houve um renascimento dos quadrinhos nacionais e Colonnese acabou voltando à sua personagem mais famosa, pelas editoras Press, D´arte e Vecchi.
Eram outros tempos, de abertura política e a vampira ganhou contornos mais sensuais. Se antes ela usava um vestido longo, que cobria até suas pernas, agora ela usava decotes generosos e vestidos curtos, quando não lingiere sensual. O roteirista Osvaldo Talo colaborou nessa fase dando um passado para a personagem: ela seria uma condessa chamada Mirela Zamanova.  Uma nova história, na revista Metal Pesado, apresentou uma versão totalmente erótica da vampira.

Desde então, Mirza tem voltado em edições especiais, para jubilo dos fãs. E, quando se fala que Vampirella é a primeira vampira dos quadrinhos, ele se lembram que a grande criação de Colonnese é bem anterior. 

O conhecimento jornalístico

Recentemente, o jornalismo tem sido visto como uma importante forma de adquirirmos conhecimentos sobre o mundo. Tanto que muitas pesquisas na área de história, por exemplo, têm sido feitas tomando por base dados coletados por jornais. Na área de história, especificamente, tem estado em moda a chamada história do cotidiano, que é uma aproximação do conhecimento jornalístico. No Brasil, o mais famoso representante dessa nova corrente, Eduardo Bueno, autor da coleção Terra Brasilis (editora Objetiva) é um jornalista.
         O principal teórico do jornalismo como forma de conhecimento é o catarinense Adelmo Genro. Ele parte de três categorias criadas por Hegel para explicar o que é o jornalismo e sua diferença da ciência. Para Hegel, havia três categorias de conhecimento: o singular, o particular e o universal.
         O singular trata daquilo que o fato ou objeto de estudo tem de diferente dos demais. O particular vê esse fato pelo que ele tem de semelhante com uma categoria de coisas e o universal se interessa por suas semelhanças com uma categoria ainda maior. Assim, um homem é singular pelo que tem de diferente de todos os outros. É particular porque ele participa de uma determinada categoria, como uma família, uma profissão, ou mesmo uma nação. E é universal porque faz parte do gênero humano.
         Para o singular, interessa o homem específico, com características que o fazem diferente de todos os outros.
         O conhecimento filosófico interessa-se apenas pelos universais. O conhecimento científico oscila entre o particular e o universal. O conhecimento jornalístico trata do singular.
         Diante de um homem que se suicidou, o jornalismo vai tratar da singularidade do fato. Quem era ele? Que método ele utilizou para se matar? Quando ocorreu a morte? Por que ele se matou? Onde? A ciência, ao contrário, vai interessar em perceber o que o fato tem de semelhante a outros? Outras pessoas já se mataram na região? O que elas tinham em comum? É possível identificar algum traço coincidente que possa ser usado para explicar o fato (por exemplo, todos era desempregados)?
         No livro A Viagem do Descobrimento, Eduardo Bueno fala da chegada dos portugueses ao Brasil sob um ótima do singular. Enquanto para a ciência normal interessa o que esse fato representa no contexto das grandes navegações, o livro vai se preocupar com as singularidades dessa viagem. Um exemplo: os portugueses passaram quase um mês no Brasil, ao lado de um rio, e não há registro de que tenham tomado um único banho.
         Por outro lado, o jornalismo cumpre um importante papel: o de divulgar as descobertas e teorias científicas. A característica do jornalismo de universalização do público faz com que conhecimentos que eram opacos até mesmo para cientistas de outras áreas, se tornem facilmente compreensíveis.
         Esse papel do jornalismo ganha destaque diante das críticas que especialmente Edgar Morin tem feito à especialização da ciência.
CARACTERÍSTICAS DO CONHECIMENTO JORNALÍSTICO
Trata da singularidade dos fatos
Parte da observação dos fenômenos

É um dos principais divulgadores do conhecimento científico.

quinta-feira, janeiro 26, 2017

Conhecimento artístico

Mais recentemente, alguns autores têm destacado a existência de um outro tipo de conhecimento, o artístico. Entre eles, Silvio Zamboni, Doutor pela ECA/USP e responsável pela distribuição de bolsas na área de artes do CNPQ. Silvio publicou um pequeno, mas valioso livro no qual caracteriza as especificidades do conhecimento artístico.
         Para ele, o conhecimento artístico seria fruto da intuição e nasceria no hemisfério direito do cérebro, no inconsciente.  Como trata de questões inconscientes, a arte teria a possibilidade de perceber verdades que permanecem ocultas para a ciência. Não é à toa que psicológicos como Carl Gustav Jung  e Freud se debruçaram sobre obras de arte para descobrir verdades sobre a mente humana.
         Da mesma forma, sociólogos e antropólogos têm usado a arte de determinado período para compreender como funcionava a sociedade daquela época. Talvez seja mais interessante entender a sociedade norte-americana da década de 50 através dos filmes produzidos naquela época do que pelas pesquisas científicas e objetivas realizadas no período.
         O conhecimento artístico tem influenciado, inclusive, a metodologia científica. Em alguns países já são aceitos, em projetos de pesquisas, hipóteses intuitivas.
CARACTERÍSTICA DO CONHECIMENTO ARTÍSTICO

É intuitivo

O terror no Brasil


O início da década de 50 nos EUA foi marcado pelo surgimento da editora EC. Contando com artistas do porte de AlI William­son, Wallace Wood e Krigstein, essa editora publicou várias re­vistas que revolucionaram o ter­ror e conquistaram a garotada. O sucesso dessas publicações se estendeu ao Brasil. Várias editoras pequenas publicavam e republi­cavam o material da EC, com sucesso. Entre 1952 e 1954, dez novas revistas de terror foram lançadas. A cada ano, uma nova editora entrava no mercado. Mas a fonte secou quando a EC Comics foi perseguida nos EUA e as revistas de terror proibidas por lá. Sem material inédi­to e com um público ávido por novas histórias do gênero, os edi­tores foram obrigados a contratar artistas nacionais. Começava a chamada fase de ouro da HQ bra­sileira e aquela que ficou conhecida como Primeira geração de quadrinistas nacionais.
No começo, para não afugentar os leitores, os editores pediam que os artistas assinassem com nome americanos, para dar a impressão de que as histórias eram feitas nos EUA, depois os autores foram aos poucos assinando seus nomes verdadeiros.
Editoras como a La Selva conseguiram grande êxito, mas ninguém se arriscava a lançar uma revista só de quadrinhos nacionais.
A virada, que realmente marcaria a era de ouro dos quadrinhos nacionais, aconteceu em 1959, quando Jaime Cortez e Miguel Penteado lançaram a editora Continental. A proposta era publicar unicamente artistas nacionais, sem pseudônimos. As revistas da Continental vinham com uma tarja verde-amarela com os dizeres: “Escri­ta e desenhada totalmente no Brasil”.
O interessante dessa fase é que boa parte dos seus principais ar­tistas eram estrangeiros. Eugênio Colonese era italiano, Rodolfo Zaíla era argentino, Jaime Cor­tez, português.
Além de lançar várias revistas de terror, todas com sucesso, a editora também foi primeira a editar as revistas de Maurício de Souza, com o gibi do Bidu (que na época era protagonista e depois viraria personagem secundário da Turma da Mônica).
Um erro de um funcionário da Junta Comercial fez com que a editora fosse obrigada a mudar de nome. É que já existia uma outra empresa chamada Continental e, pior, em processo de falência e cheia de credores. Para se livrar dos cobradores, o jeito foi mudar o nome para Outubro (uma homenagem à revolução russa). Depois, até esse nome teve de ser alterado, por que Victor Civita havia registrado todos os meses do ano.
Segundo Gonçalo Júnior, ¨O começo da outubro foi marcado pelo idealismo e pela descontração dos colaboradores, que dividiam seu tempo entre o trabalho nas revistas e a reestruturação do movimento de nacionalização dos quadrinhos – que ganharia força a partir de 1961¨.
É bem provável que esses ar­tistas viessem a transmitir suas experiências para uma nova ge­ração, contribuindo assim para a criação de um quadrinho genui­namente nacional. Infelizmente esse processo foi abortado pela intervenção da ditadura militar, que começou a perseguir as publi­cações nacionais de terror. Miguel Penteado chegou a ser chamado pela polícia para dar explicações e foi pressionado a deixar de publicar terror. A censura não poupava nem mesmo as histórias infantis. Exemplo disso é o banho de chuveiro do Cebolinha, que foi cortado pelos censores.
Com isso, as revistas foram sendo canceladas, ou perdendo qualidade e muitos dos melhores artistas migraram para outras áreas, como a publicidade ou a ilustração de livros didáticos.

Isso fez com que os novos quadrinistas tivessem pouco contato com a primeira geração e tivessem que começar tudo do zero. Isso certamente atrasou em muito a criação de uma linguagem nacional de quadrinhos.

quarta-feira, janeiro 25, 2017

Conhecimento filosófico

A filosofia trata de objetos que não podem ser medidos ou aferidos. Ela se interessa por questões como: O que é felicidade? Qual o sentido da vida?  Como podemos levar nossa vida de uma maneira moralmente correta?
O filósofo não precisa observar ou medir aquilo sobre o qual está produzindo conhecimento. Como medir a felicidade? Como pesar o sentido da vida? Diante da impossibilidade de usar instrumentos de medição ou observação, o filósofo usa apenas a lógica e a razão.
         A filosofia trata de questões universais. Ao perguntar como o homem pode ser mais feliz, a filosofia quer saber como toda a humanidade pode se tornar mais feliz, e não uma pessoa específica.
         Algumas questões que antes eram filosóficas, com o desenvolvimento de instrumentos de pesquisas (lentes, microscópio, telescópio) tornaram-se científicas. É o caso de questões sobre a origem do universo, sobre do que são feitas as coisas ou sobre como surgiu a vida.

CARACTERÍTICAS DO CONHECIMENTO FILOSÓFICO
É baseado na lógica e na razão
Trata de questões universais
Trata de questões que não podem ser medidas.

Os "especialistas" em George Orwell


Com essa febre Bolsonaro tenho visto muitas pessoas que se dizem especialistas em Orwell usando-o para justificar ditaduras e até mesmo o projeto escola sem partido. "Especialistas" que só devem ter lido 1984 e Revolução dos bichos.
Vai uma dica de leitura: A filha do reverendo, um livro escrito por Orwell exatamente para criticar os defensores de projetos como o Escola sem partido. No livro, uma moça trabalha como professora e é denunciada pelos pais por encenar com seus alunos a peça MacBeth, de Shakespeare. A moça acaba perdendo o emprego e é execrada porque, segundo os pais, estaria ensinando sexo para as crianças, já que a peça tem uma referência ao parto.  O livro analisa como as convicções dos pais podem fazer uma peça teatral clássica ser ser vista como uma aula sobre sexo.
Fica a dica de livro para os "especialistas" em Orwell.

Na pior em Paris e Londres


gonzo jornalismo é uma das chamadas propostas discordantes no jornalismo, estilos que tentaram trazer para a prática a descoberta de que não existe objetividade jornalística. Os jornalistas gonzo procuram desvelar o fato de que os jornais usam o discurso da objetividade apenas para mascarar interesses pessoais ou corporativos. Para ir contra isso, os gonzo jornalistas escrevem em primeira pessoa, destacando sempre que todo relato é um relato pessoal e, portanto, subjetivo. Os gonzo jornalistas também costumam expor, ao invés de esconder, os momentos constrangedores pelos quais passa o repórter. O norte-americano Hunter Thompson, morto recentemente, é considerado o criador do gonzo jornalismo, mas o gênero tem pelo menos um atencedente ilustre. Trata-se do escritor britânico George Orwell, famoso pelos livros 1984 (uma visão aterrorizante de um futuro dominado por um estado totalitário) e A revolução dos bichos (uma sátira bastante acertada da revolução russa).

Orwell fez um verdadeiro livro gonzo em Na pior em Paris e Londres (Companhia das Letras, 2006, 256 págs.), recém lançado pela editora Companhia das Letras. Depois de trabalhar como policial do Império Britânico na Birmânia, ele resolveu saber como era o outro lado, como era a vida, o modo de ser e de pensar da população pobre e esquecida pelas autoridades... e foi viver como um pobre.

Mal vestido, magro como uma tábua, acomodou-se num quarto e dedicou o inverno de 1927 a andar pelas ruas e a conhecer a população pobre de Londres. Até então sentira pelos pobres uma mistura de repulsa, fascínio e medo. Pavor maior sentia de pulgas, baratas, percevejos e ratos. Ao viver como pobre, aos poucos foi revendo seus conceitos, exceto sobre os ratos, que sempre lhe incutiram o mais terrível pavor, tanto que a tortura do personagem principal de 1984 se dá com ratos.

Mas em Londres era apenas um observador. Quando se mudou para Paris, as coisas se tornaram reais. O dinheiro acabou e ele passou fome por dias antes de conseguir trabalho como lavador de pratos, ou plongeur, em um grande hotel.

A narrativa não despreza palavrões e nem mesmo as situações constrangedoras pelas quais ele teve que passar - incluindo aí comer comida roubada para não morrer de fome ou uma noite que passou resistindo às investidas homossexuais de um mendigo em um albergue governamental. Era um relato tão cru que a família de Eric Arthur Blair se viu aliviada quando ele resolveu publicar o livro sob o pseudônimo de George Orwell.

Os melhores momentos do livro são aqueles em que o autor conta a realidade de plongeur, que podia trabalhar até 15 horas por dia e ganhava apenas 500 francos por mês. "Nós éramos a escória do hotel, desprezados e tuteados por todos".

A função era tão baixa que todos se viam na obrigação de ofendê-los com palavrões. Um dos garçons era muito amigável e simpático com Orwell quando estavam sozinhos, mas quando havia alguém por perto, destratava-o de todas as maneiras possíveis.

Mas, apesar do ritmo enlouquecedor de trabalho, havia suas compensações. Os plongeurs podiam vender pães despedaçados aos padeiros e restos de comida aos criadores de porcos, e todos roubavam comida. Um garçom de um restaurante em que Orwell trabalhou contava com orgulho que durante algum tempo descobrira uma maneira de roubar leite e creme e consumia todo dia quatro litros de leite e meio de creme. Só parou porque essa dieta estranha começou a afetar sua saúde.

O ritmo de trabalho provocava um total desprezo pela higiene. Orwell era vítima do risos dos outros quando lavava a mão antes de pegar na comida. Logo aprenderia que não havia tempo para tais luxos. O serviço acontecia em ciclos e não podia ser feito com atencedência, de modo que nas horas do café da manhã, do almoço e do jantar, todos tinham que trabalhar por dois e, como resultado, havia gritos e discussões. Assim, sobrava pouco tempo para se preocupar com coisas como higiene. "Estávamos apenas cumprindo nossas obrigações; e como nosso primeiro dever era ser pontual, economizávamos tempo sendo sujos", conta Orwell. O lixo se espalhava pela cozinha e para evitar que o chão ficasse muito molhado, jogava-se serragem. A caixa de pão era repleta de baratas. Certa vez o escritor sugeriu a um garçom que as matassem. "Por que matar as coitadinhas?", indagou o garçom, em tom reprovador.

Segundo Orwell, se você pedir um bife em um restaurante pobre, o cozinheiro simplesmente jogará a carne na frigideira e a tirará de lá com um garfo direto para o prato. Se for num restaurante chique, o bife será levado ao cozinheiro-chefe que o pegará com as mãos (talvez até o lamba para saber se o sabor está correto), depois o jogará sobre o prato e passará o dedo sujo pelo molho para lamber e verificar o sabor. Em outras palavras, quanto mais se paga por um prato, mais suor e cuspe o consumidor será obrigado a engolir. De acordo com autor, o cozinheiro francês é um artista, mas sua arte não é a da limpeza.

Como o funcionário pagava por qualquer comida desperdiçada, tudo era aproveitado. Se uma torrada caía no meio da serragem, bastava limpá-la e colocá-la de volta no prato. Se um frango assado caía no poço do elevador de serviço, bastava ir lá pegá-lo e passar um pano para retirar os restos de comida e de papéis.

A falta total de higiene não diminuía em nada o preço dos serviços. Certo hóspede de dieta pediu apenas água com sal no café-da-manhã. O hotel cobrou 25 francos pela água e sal. O cliente pagou sem pestanejar.

Orwell conclui que o trabalho de um plongeur é de um escravo, vítima de uma rotina tão estressante que torna impossível pensar. E pergunta: por que existe esse tipo de trabalho? Para o escritor, temos uma vaga sensação de que deve ser um trabalho honesto porque é duro e desagradável, mas o trabalho de um plongeur não satisfaz nenhuma necessidade social: "ele talvez esteja apenas fornecendo um luxo que, muitas vezes, não é um luxo".

Os clientes pagam caríssimo por um serviço de péssima qualidade, ao menos do ponto de vista da higiene, e os trabalhadores são escravos que ganham apenas o suficiente para sobreviver. Incapaz de continuar na rotina estressante de um plongeur, Orwell escreveu para um amigo na Inglaterra, que lhe prometeu um emprego de perceptor de um retardado mental, o que lhe pareceu verdadeiras férias depois da experiência desgastante na França. Mas, ao chegar a Londres, descobriu que o rapaz havia viajado e que o emprego só sairia dali a um mês e, nesse meio tempo, teve que se virar vagabundeando com mendigos.

Foi uma fase terrível, pois não era permitido dormir na rua e nos albergues destinados aos mendigos só se podia hospedar até duas vezes ao mês, fazendo com que os mendigos andassem sem parar. Na verdade, eles não podiam nem mesmo sentar-se nas calçadas, tendo de ficar em pé o tempo todo em que não estavam andando. Pedir esmolas era proibido, de modo que muitos fingiam vender coisas, como fósforos.

A experiência fez com que o escritor revisse seus conceitos sobre os mendigos: "Um mendigo trabalha ficando ao relento, ganhando varizes, bronquite crônica etc. É um ofício como outro qualquer, bastante inútil é verdade - mas muitos ofícios respeitáveis também são inúteis".

Orwell descobriu que não há nada que realmente distinga um mendigo de um trabalhador, a não ser o fato de que o primeiro não tem um emprego.

O resultado de toda essa experiência foi resumido no final do livro: "Nunca mais vou pensar que todos os vagabundos são patifes bêbados, nem esperar que um mendigo se mostre agradecido quando eu lhe der uma esmola, nem ficar surpreso se homens desempregados carecem de energia, nem contribuir para o Exército da Salvação, nem empenhar minhas roupas, nem recusar um folheto de propaganda, nem me deleitar com uma refeição em um restaurante chique. Já é um começo".

Ler Na pior em Paris e Londres é refletir um pouco sobre a realidade desses trabalhadores escravos e mendigos em uma obra primordialmente escrita por aquele que é um dos melhores autores em língua inglesa no século XX. O livro parece ter-se escrito por si mesmo, tal a fluência do texto. Essa facilidade passa para o leitor, que o devora de uma só vez, se tiver tempo para isso e não estiver ocupado com uma jornada estafante de trabalho!

terça-feira, janeiro 24, 2017

A volta dos super-heróis

            
Na década de 1950, as revistas de super-heróis entraram em crise. As vendas foram caindo cada vez mais e a maioria das editoras migrou para outros gêneros, como o terror, o romântico e o faroeste. Apenas os personagens mais populares, como o Super-homem e o Batman, ainda continuavam vendendo bem.
            Então, em 1956, a editora National (atual DC Comics) teve a idéia de relançar alguns heróis da era de ouro dos super-heróis. O primeiro personagem escolhido foi o velocista Flash. Para editar a revista foi escolhido Júlio Schwartz, que editara a revista original, na década de 1940. Acontece que Schwartz não gostava do personagem, muito menos do uniforme, e pediu para o escritor Robert Kanigher e os desenhistas Carmine Infantino e Joe Kubert para reformularem totalmente o personagem, inclusive com um uniforme que destoasse completamente daquele usado na era de ouro (que era baseado no deus Hermes). Assim, o novo personagem era alter-ego de Barry Allen, um cientista da polícia que ganhava poderes ao ser banhado por produtos químicos. Ex-agente literário de escritores de ficção-científica, Schwartz resolveu dar um ar científico ao personagem acrescentando notas de rodapé explicando, por exemplo, que Flash conseguia atravessar objetos sólidos vibrando velozmente as moléculas de seu corpo. Deu certo. A nova abordagem agradou bastante os leitores, fazendo com que a revista do personagem inaugurasse a chamada Era de Prata dos super-heróis. Afinal, os tempos eram outros. Com a corrida espacial e a possibilidade de uma guerra nuclear, explicações científicas pareciam algo muito mais real do que magia.
            O próximo personagem a ser revitalizado foi o Lanterna Verde. Enquanto o Lanterna da era de ouro parecia mais com Aladin e a lâmpada mágica, o novo era um patrulheiro espacial. Assim, o piloto de testes Hall Jordan recebe um anel de uma alienígena moribundo que fazia parte da tropa dos Lanternas Verdes. Com isso, ele se torna o novo patrulheiro, responsável pela área do universo em que está a Terra.
            Em abril de 1958 estreou a primeira equipe de super-heróis da Era de Prata. A Legião dos super-heróis surgiu numa aventura do Superboy, mas logo foi conquistando fãs, que começaram a clamar por novas aventuras. A criação dos personagens com estranhos poderes e origens (Rapaz Cósmico, Garota de Saturno, Rapaz Triplo e Violenta Encolhedora, entre outros) foi obra do roteirista Otto Binder, ex-roteirista do Capitão Marvel. Entretanto, a revista se tornou um sucesso após a entrada no título de um escritor novo, que mandava suas histórias por correio, chamado Jim Shooter. Um dia a editora convidou-o para conhecer a redação e todos levaram um susto: o novo talento era, na verdade, um garoto de 13 anos!
            O sucesso desse revival dos heróis fez com que os editores da National decidissem reviver a Sociedade da Justiça. Mas Julius Schwartz achava que o nome Sociedade era formal demais, trocando-o por Liga, uma palavra conhecida dos jovens por causa das ligas de beisebol. O novo grupo reunia os principais heróis da editora e fez grande sucesso. Era a lógica do mais pelo mesmo: mais heróis pelo mesmo número de páginas. A Liga da Justiça estreou na revista The Brave and the Bold em março de 1960.

            Além da reformulação dos personagens, outra grande sacada de Schwartz foi estreitar a comunicação com os leitores, ao criar a seção de cartas na qual apareciam os endereços dos fãs. Com isso, eles eram estimulados a trocar correspondência entre si e o resultado foi duplo: os gibis deixaram de ser leitura descartável para se tornarem itens colecionáveis e começaram a surgir vários fanzines, revistas feitas por fãs, que divulgavam os personagens e revelavam novos talentos. Alguns dos grandes escritores de quadrinhos, como Roy Thomas, surgiram nos fanzines. 

Conhecimento teológico

         Você acredita em Deus? Por quê? A uma pergunta dessas, dificilmente alguém responderá que acredita em Deus porque o observou ou porque a lógica científica o diz.
         O conhecimento religioso, portanto, não surge da observação ou da lógica. É um conhecimento revelado, razão pela qual dizemos que ele se baseia na fé. Uma pessoa tem uma revelação sobre uma verdade eterna e a divulga a outras pessoas, que acreditam na mensagem e passam a também propagá-la.
         Todas as tentativas de explicar Deus utilizando a razão acabaram se tornando válidas apenas para quem já acreditava em deus, pois a religião não faz parte das coisas explicadas pela razão. Só podemos entender suas verdades se acreditarmos.
         O conhecimento teológico está baseado no discurso da autoridade. A autoridade é Deus, que revela aos homens suas verdades, ou o profeta. Ao discutir com uma pessoa religiosa, ela certamente usará em seu discurso frases como “Está na Bíblia”, a “Bíblia diz isso”, que revelam a importância do discurso da autoridade para esse tipo de conhecimento.
CARACTERÍSTICAS DO CONHECIMENTO TEOLÓGICO
É um conhecimento não descoberto através da observação, mas revelado.
Não se usa a observação ou a razão, mas a fé.
O discurso da autoridade é essencial.

Diz respeito a verdades eternas. 

segunda-feira, janeiro 23, 2017

Como escrever quadrinhos

Pedidos: profivancarlo@gmail.com.

Conhecimento empírico

         Como fazer para o sal não endurecer no saleiro? Qual a melhor época para plantar? Como tirar manchas da roupa? Essas são perguntas com as quais o homem se depara em sua vida diária. A maioria delas permite uma resposta sem que seja necessário recorrer à ciência. O homem comum sabe que, se colocar grãos de arroz no saleiro, o sal ficará soltinho e será fácil retirá-lo de lá.
         Esse conhecimento é chamado de empírico, ou vulgar. É o conhecimento que nasce da observação diária dos fatos. O ser humano observa relações de causa e conseqüência, aquilo que os semióticos chamam de índice: se há uma poça no chão, é por que choveu e há uma goteira no teto. Se vejo fumaça saindo da floresta, intuo que há fogo.
         Observando essas relações de causa e conseqüência, o homem vai criando um conhecimento que lhe permite fazer diversas atividades diárias.
         Entretanto, esse é um conhecimento não sistemático, assim como sua transmissão. O homem comum não faz diversas experiências com vários tipos de materiais até chegar ao grão de arroz como o mais apropriado para colocar no saleiro. Simplesmente alguém um dia colocou um grão de arroz lá e observou que deu certo.
         Também é um conhecimento que não vai aos porquês. O homem comum sabe que o arroz faz com que o sal saia facilmente do saleiro, mas não sabe porque.  Não sabe que o arroz tira a umidade do ar e que o atrito com os grãos faz com que as moléculas do sal fiquem soltas.
         Apesar de suas limitações, o conhecimento empírico tem feitos realizações realmente extraordinárias. A utilização de plantas medicinais é uma delas. Os ribeirinhos da Amazônia sabem coisas sobre as propriedades curativas das plantas que a ciência só tem descoberto muito recentemente (inclusive muitas pesquisas científicas estão indo buscar, justamente nesse conhecimento empírico, informações sobre essas plantas).
         Um outro exemplo é a maniçoba. Descobrir que a planta da maniva deveria ser cozida durante sete dias e sete noites deve ter sido uma aventura tão surpreendente quanto qualquer pesquisa científica. É de se supor que tenha havido muitas tentativas antes de se chegar ao ponto ideal de cozimento (infelizmente muitos heróis devem ter morrido no meio do caminho).

CARACTERÍSTICAS DO CONHECIMENTO EMPÍRICO
Surge da observação
É não-sistemático

Não vai aos porquês

Saudades da guerra


Na década de 1960 os super-heróis, que sempre foram as estrelas dos gibis, entraram em crise. Os editores começaram a procurar outros gêneros, que pudessem chamar a atenção da garotada. A E.C. acertou a mão com o terror, mas seu sucesso teve um fim com a perseguição dos conservadores norte-americanos. Outras editoras tentaram o gênero romântico, com algum sucesso.
      Uma das iniciativas mais interessantes foram os quadrinhos de guerra, um gênero muito bem explorado pela DC Comics na revista Our Army at War. Foi nessa revista que surgiu o Sargento Rock, o mais famoso herói de guerra dos quadrinhos. O personagem foi criado por Robert Kaningher, um veterano escritor e editor de gibis. Ele é tido com um dos mais prolíferos autores do gênero, tendo publicado e escrito histórias da Mulher-maravilha, Canário Negro, Besouro Azul e Capitão Marvel, mas ficou conhecido mesmo por seus heróis de guerra.
      Kaningher criou o sargento baseando-se no lutador Rocky marciano, um grande ídolo do boxe norte-americano. Rocky jamais perdeu uma luta e sua grande arma era a obstinação. A primeira história do sargento Rock mostra justamente ele como lutador, numa narrativa paralela à sua atuação na guerra. Por pior que estejam as coisas, por maior que seja a dor ou a adversidade, ele sempre está de pé, dizendo seu bordão: ¨Vamos, lute!¨.
      Para ilustrar essa pequena HQ, que se tornou antológica, Kaningher chamou Joe Kubert, um jovem desenhista, mas que já se tornara um referencial de qualidade no meio. Ele havia criado, por exemplo, os quadrinhos 3-D, que precisavam ser lidos com óculos especiais e foram uma grande febre na década de 1950, rendendo dinheiro o suficiente para que ele comprasse sua casa. Kubert tinha um traço elegante e inovador para a época. Sua arte-final suja casou perfeitamente com o personagem durão.
      A primeira história do personagem, intitulada apenas como Rock, foi publicada na revista G.I. Combate 68.
      Mas a estréia oficial se deu com a história A Rocha da Companhia Moleza (The Rock of Easy Co.), publicada na revista Our Army at War 81, de abril de 1959. Por alguma razão, Kurbert não assumiu o desenho, que acabou sendo feito por Ross Andru e Mike Esposito. Nessa história o sargento ganhou um batalhão, a companhia moleza, composta de vários personagens carismáticos.
      A partir daí o personagem virou a grande atração da revista, ao ponto do gibi mudar de nome para Sargento Rock, na década de 1970.
      A revista foi publicada por 11 anos, sendo descontinuada apenas em 1988. Mas, mesmo assim, o sargento e sua companhia continuaram fazendo aparições especiais em aventuras de outros personagens.
      Outra grande criação da dupla Kaningher-Kubert foi Ás Inimigo. Criado na década de 1970, o personagem era um aviador alemão da I Guerra mundial, um homem que tinha como único amigo um lobo da floresta.
      Os roteiros de Kaningher descreviam em detalhes as batalhas aéreas, as táticas dos pilotos e as regras que regiam o comportamento dos mesmos. Kubert não ficou atrás e pesquisou pesado para caracterizar o personagem: ¨Como sempre fazia, fui a bibliotecas e livrarias atrás delas. Procurei saber o máximo sobre batalhas aéreas da 1ª. Guerra Mundial. Eu queria que os leitores aceitassem o Ás Inimigo como algo realmente crível, assim como eu havia aceitado a premissa da história. Então estudei os interiores dos aviões, seus detalhes e sua construção. Onde a madeira era usada? Qual era a aparência do esqueleto do avião? Descobrir as respostas para essas perguntas ajudou-me a compreender melhor qual a sensação de voar naquelas máquinas antiquadas¨.

      O resultado disso é que, embora Kubert tenha feito vários personagens de sucesso, o Sargento Rock e o Ás Inimigo são sempre os mais lembrados pelos leitores. 

domingo, janeiro 22, 2017

Conhecimentos não-científicos

Durante muito tempo, o conhecimento científico foi tido como o único tipo de conhecimento válido. A frase “isso não é científico” virou sinônimo de “isso não é verdadeiro”.
         Filósofos recentes têm procurado resgatar a necessidade de valorizarmos os mais variados tipos de conhecimento, pois eles são complementares ao científico.
         Edgar Morin, um dos mais importantes pensadores de nossa época, com obras na área de educação, metodologia e comunicação, é um dos mais severos críticos da supervalorização da ciência e de sua compartimentação em disciplinas estanques. Para ele, os diversos conhecimentos devem dialogar entre si.
Não se trata de querer dizer que o conhecimento teológico, por exemplo, é do mesmo tipo do científico, mas de demonstrar a importância de cada um desse tipos de conhecimento.

A insólita Família Titã

Pedidos: profivancarlo@gmail.com

sábado, janeiro 21, 2017

A gramática dos super-heróis

Algo que tenho percebido em muitas pessoas que produzem quadrinhos de super-heróis no Brasil atualmente é um desconhecimento dos elementos que compõe um gibi de super-heróis.
Embora os super-heróis tenham surgido no final da década de 1930, foi na década de 1960 que caras como Stan Lee, Jack Kirby, Steve Ditko, John Romita e Joh Buscema definiram a linguagem definitiva dos super-heróis. O jeito Marvel de fazer quadrinhos era tão inovador, tão poderoso, que a partir daí tudo que foi feito rezou pela cartilha Marvel (mesmo a antagonista DC Comics acabou depois acompanhando essa cartilha).
Assim, para fazer super-heróis é essencial ler clássicos como o Quarteto Fantástico de Lee e Kirby ou o Homem-aranha de Lee-Ditko-Romita. A linguagem está ali, em estado puro, pronta para ser estudada, aprendida e, se for o caso, revolucionada. Os caras que na década de 1980 revolucionaram o gênero, como Frank Miller e Alan Moore conheciam essa gramática dos super-heróis de cor e só conseguiram fazer algo inovador por causa desse conhecimento.
Então, vamos conhecer um pouco dessa "gramática".

Continuação 

A grande inovação da Marvel foi apresentar histórias em sequência, dentro de uma cronologia. Hoje praticamente todo mundo faz isso, mas na época era novidade. Na DC, por exemplo, era raro uma história que não concluísse dentro de um gibi.  Mas se a continuação pode ser interessante, pode também ser uma armadilha. Imagine o leitor que vai na banca, compra um gibi que não conhece e, ao lê-lo descobre que a história não termina ali, a história para no meio da ação, às vezes no meio de um diálogo. O que o leitor faz? Ele joga fora o gibi. A sequência pode ser interessante, mas para isso precisa ser bem trabalhada, precisa prender a atenção do leitor e levá-lo a comprar o próximo gibi.
A história termina em uma situação de suspense: gancho para o próximo gibi. 

Uma forma de fazer isso são os famosos ganchos: uma situação de suspense no final do gibi que deixa o leitor curioso para comprar o próximo número. Imagine: o herói está caído e alguém se aproxima para arrancar sua máscara. Sua identidade será descoberta? Compre o próximo gibi e descubra! Isso vicia o leitor. Outra forma é fazer uma mini-conclusão, como se cada gibi fosse um capítulo de um livro. Uma parte do conflito é resolvida no final daquele gibi, mas há algo maior, que o leitor só saberá como acaba lendo os próximos gibis.
O conflito foi resolvido. Mas a história terminou? Isso você só saberá no próximo gibi. 


Stan Lee e Jack Kirby nos seus melhores momentos experimentavam uma união dessas duas estratégias. Uma parte do conflito era resolvida, só para surgir um conflito ainda maior em seguida. Thor estava para ser derrotado por um inimigo invencível. Então surgia um ser poderoso e derrotava o vilão (o que fechava a trama daquele gibi). Mas aí o leitor descobria que o ser poderoso só havia feito isso porque ele mesmo queria ter a honra de matar o herói (e aí temos o gancho para o próximo gibi).

Muitas vezes o gancho desembocava no próximo gibi numa cena impressionante, numa... splash page!


Splash page ocupando a primeira página. 

Splash page

Lee e Kirby sabiam que os quadrinhos são uma mídia visual. Páginas e páginas de diálogos não são nada diante de uma imagem poderosa, de impacto, ação, especialmente para os leitores de super-heróis. Assim, colocar uma splash page no início de cada história era uma forma de agarrar o leitor, conquistá-lo já no começo. A primeira coisa a se dizer sobre  splash page é que ela deve ser uma cena de impacto e deve ser relevante para a história. Uma sequência de diálogo, por exemplo, não funciona como splash page (uma vez Kirby fez uma splash page de diálogo, mas eram dois deuses conversando algo grandioso, em um cenário grandioso, de modo que acabou valendo).
Splash page de página dupla, ocupando as páginas 2 e 3. 

Splash page deve concentrar toda a ação, mistério, suspense da história. Ela pode vir na primeira página. Ou na segunda, ou terceira página, sendo consequência direta do que veio antes. Um exemplo nesse sentido: o herói entra no esconderijo do vilão e a primeira página o mostra entrando. Na segunda ou terceira página ele está lá dentro e está sendo atacado por todos os lacaios do vilão numa imagem de tirar o fôlego!

Sequência de ação que desemboca numa splash page. 

Lembrando que a splash page, embora seja normalmente uma página inteira, pode também ocupar duas páginas, tendo ainda mais impacto. Em tempo: é na splash page que são colocados o título da história e os créditos.

Recapitulando


Como as revistas da Marvel eram quase todas em continuação e nem sempre o leitor havia comprado o gibi anterior, Stan Lee inventou um estratagema para situá-lo. Era praticamente uma norma que nas primeiras páginas o roteirista situasse o leitor dentro da história. Para isso ele deveria, obrigatoriamente, com o texto, responder a três perguntas: Quem? Onde? O que está acontecendo? Alguns roteiristas chegavam até mesmo a colocar essas perguntas no texto, respondendo-as.


Esses são alguns elementos básicos. Para melhor entendê-los (e perceber outros elementos) vale a dica do início: ler os clássicos. Vale a pena comprar uma antologia de histórias clássicas da Marvel e aprender um pouco como essas histórias eram feitas.