terça-feira, novembro 22, 2011

A igreja dos 500 quadrinistas


            O vento uivando na janela nas noites frias de inverno conta velhas histórias. Uma delas, a mais antiga e mais secreta, é sobre a criação do mundo. Conta que Deus, no início dos tempos, colocou todas as almas à sua frente e começou a dividir funções:
            - Quem quer ser advogado?
            Milhões e milhões de almas deram um passo à frente.
            - Médicos!
            Milhões se ofereceram. E isso durou um longo tempo, ao fim do qual sobraram apenas 500 almas. O criador virou-se para seu secretário e perguntou o que faltava.
            - Só quadrinistas, senhor. Ninguém se ofereceu para essa função.
            Dessa forma, 500 almas receberam a incumbência de, uma vez no mundo, fazer a alegria dos garotos sardentos e das figuras esquisitas.
             Assim, 500 crianças nasceram rabiscando e balbuciando histórias sem nexo. Durante muito tempo não se achou função para elas e acreditava-se mesmo que não serviam para nada. Não sabiam pescar, caçar, plantar ou carregar menires. Mas acabaram sendo aproveitados aqui e ali.
            Um deles foi relativamente bem-sucedido ao convencer os outros de que os desenhos feitos nas paredes das cavernas haviam influenciado em alguma coisa na caçada do bisonte. Foi o primeiro quadrinista de sucesso, e também o primeiro mentiroso. E, embora não tenha ficado rico, comeu alguns bons nacos de carne à custa do esforço dos outros.
            Depois disso os quadrinistas exerceram atividades que iam da tecelaria aos menestréis.
            Mas, na verdade, só se descobriu para que serviam no final do século passado. Desde então são facilmente reconhecidos na rua ou em qualquer outro lugar pelas enormes pastas que carregam embaixo do braço, no caso dos desenhistas, ou pelos óculos dependurados no pescoço e as mãos avermelhadas, no caso dos roteiristas.
            Uma das dúvidas que irá certamente assaltar o leitor é: como pode haver apenas 500 almas se já existiu e existe um número bem maior de quadrinistas? A resposta, meus senhores, é que a natureza não poderia ser mais perfeita. Na falta de material humano, ela providenciou condições especiais de reencarnação aos adeptos da nona arte. Assim, quando morrem, eles renascem imediatamente, num corpo já adulto. Isso explica, por exemplo, porque certos personagens de tiras não mudam de estilo, mesmo depois que seus desenhistas titulares falecem. Dick Tracy e Principe Valente são bons exemplos desse curioso fenômeno.
            Ainda assim eram poucas as almas para muito trabalho. Assim, providenciou-se para que os quadrinistas pudessem reencarnar em vários corpos ao mesmo tempo. Essa é a razão pela qual - e aqui vai a grande revelação deste artigo -  todos os desenhistas da Image têm um traço exatamente igual: é a mesma alma reencarnada em vários corpos! A dúvida é se se trata da alma do Rob Liefield ou do Jim Lee.
            Mas não é só isso! O Japão, por exemplo, só foi premiado com uma única alma. É por isso que todos os mangás são iguais
            Maurício de Souza é outro que reencarnou em vários corpos.
            Entretanto, o exemplo mais espantoso de todos é Walt Disney. Mesmo morto, ele consegue produzir milhares de revistas mensalmente, em praticamente todos os países do Globo! Isso tanto é verdade que ele mesmo assina todas as histórias, em todas as revistas. Como permanecer céptico diante de uma prova tão irrefutável da existência das 500 almas?
            Há também aqueles quadrinistas preguiçosos e rebeldes, que se recusam a seguir a lei da natureza e  reencarnar em mais de um corpo. Alan Moore é um exemplo desses exclusivistas.
            Mas nada pode abalar a verdade suprema a respeito das 500 almas, verdade essa que sobrevive reverenciada numa seita secreta denominada A Grande e Grandiosa Ordem dos 500 Quadrinistas, por Tutatis!
            Sei que corro risco de vida ao revelar segredos de uma seita tão secreta que até hoje não se havia tido notícias sobre ela. Mas, já que vim até aqui, talvez não seja de todo mal contar um pouco sobre o ritual que a ordem realiza periodicamente. O ritual não exige muitos recursos. Basta um local afastado, papel, nanquim, uma caneta, lápis, uma máquina de escrever e amendoim torrado. Alguns adeptos menos ortodoxos preferem um computador no lugar da máquina de escrever, mas o amendoim torrado é indispensável.
            É claro que uma seita que reuna apenas 500 almas não tem muitas chances de se tornar um sucesso financeiro. Mas, se até aqui conseguimos enganar milhões de garotos sardentos, fazendo-os acreditar que um sujeito pode voar apenas porque usa uma roupa espalhafatosa e veio de Kripton, então talvez seja possível convencê-los a fazer depósitos na minha conta bancária....

3 comentários:

flavio disse...

Muito maneiro,Gian.Isse texto é seu?

Gian Danton/Ivan Carlo disse...

Sim, Flávio, o texto é meu.

flavio disse...

Quanta Criatividade!Gostei muito!