terça-feira, agosto 18, 2009

Censura e ditadura

A chamada revolução de 1964, que começara sutil, envergonhada, como diz Élio Gáspari, tornou-se ditadura aberta a partir de uma sexta-feira, 13 de dezembro de 1968, quando o Ministro Costa e Silva reuniu seus 23 ministros, no Palácio das Laranjeiras, para anunciar o Ato Institucional n. 5, que fechou o congresso, suspendeu o direito de habeas corpus aos acusados de crimes contra a segurança nacional. O presidente passou a ter o direito de intervir nos Estados e municípios, cassar mandatos e suspender direitos políticos.
O A1 5 instalou a censura na imprensa e tornou oficial a tortura dos porões. Intelectuais e artista passaram a ser perseguidos. Em 1968, durante uma apresentação da peça Roda Viva, de Chico Buarque e dirigida por José Celso Martinez Corrêa, o espetáculo foi atacado pelo Comando de Caça aos Comunistas que ameaçou de morte os atores. Com a decretação do A15, Geraldo Vandré, compositor dos versos "Há soldados armados, amados ou não/quase todos perdidos de arma na mão" teve que se esconder na fazenda do escritor Guimarães Rosa antes de sair para o auto-exílio. Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil foram presos, interrogados pelos militares e gentilmente "convidados" a deixar o país.
A oficialização da censura chegou ao extremo da paranóia. Não havia lógica, apenas a opinião pessoal do censor contava.
Uma história do Tio Patinhas foi censurada porque o tradutor adaptou a história, colocando a narrativa na cidade de Cananéia, coincidentemente o mesmo local em que havia sido desbaratado um núcleo de guerrilheiros.
Em 1973 a censura vetou a música "Uma vida só (pare de tomar a pílula)" porque o governo militar patrocinava uma campanha nacional de controle de natalidade e o sucesso da música incomodava. No ano seguinte, a censura vetaria a canção "Tortura de amor", de Waldick Soriano, por entender que era uma alusão à repressão. Até os filmes de Kung fu eram proibidos por conterem conteúdo maoísta.
Nesse contexto, os artistas usavam toda a criatividade e inteligência para driblar a truculência militar.
Chico Buarque era um dos mestres em colocar de maneira disfarçada em suas músicas referências ao regime. Quando soube, por exemplo, que a filha do presidente Médice apreciava seu trabalho, tascou o refrão "Você não gosta de mim, mas sua filha gosta".
Uma das estratégias mais interessantes foi usada pelo crítico literário Oto Maria Carpeaux. Em um texto sobre Sherlock Holmes, ele concluiu que o personagem só poderia ter surgido na Inglaterra. “Os juízes e a polícia ingleses têm fama de serem os mais severos do mundo. Mas o seu rigor é limitado por normas legais, não menos severas”. Assim, a Inglaterra precisava usar a inteligência de um Sherlock, já que não era possível colocar um grandalhão bem armado, que poderia extorquir uma confissão da vítima. O texto, que passou pela censura, era ferina crítica à ditadura, que só usava os músculos porque era incapaz de usar a cabeça.
Já na década de 1980 a censura foi extinta (embora alguns saudosos tentem de tempos em tempos revivê-la), mas o mais interessante é que ninguém se lembra do nome de um censor, mas todos se lembram de grandes artistas, como Chico Buarque e todas as obras censuradas são hoje conhecidas e muitas reverenciadas como obras-de-arte.
É o tipo de pensamento que nos ajuda a dormir à noite.

1 comentário:

Ivan Daniel disse...

Ivan, tô começando um novo blog. Esse vai falar sobre o badminton no Amapá. É o Badminton no meio do mundo! http://badmintonap.blogspot.com
Abraço.